sábado, 23 de agosto de 2008

Finis Terra

Em imagens que buscam uma memória vigorosa, Mariano Klautau Filho elabora um imenso poema visual


Quanto mais poético, mais verdadeiro.”

Novalis


A memória sempre foi um tema caro para a arte, de santo agostinho a Proust. Dificilmente um artista não vai soluçar sua infância diante de sua antiga residência. Serviu de inspiração, por exemplo, ao famoso canto “versos para a noite” do herói romântico Novalis e peça chave no idealismo alemão.


Finisterra, do fotografo e professor Mariano Klautau filho é um convite ao deleite delicado das marcas humanas pelo cosmo da residência. Um convite aventureiro para ser a própria respiração, se juntar ao artista para assim conceber juntos a matéria do olhar cuja reverberação se amplia e também abraça a contemporaneidade. Seu dialogo com a tradição é igualmente profícuo e desvelador, onde tempo e memória são uma única coisa em constante devir.


Finisterra não cedeu ao apelo nostálgico das experiências anteriores das artes plásticas brasileiras. Não é um pretexto para rever o menino que o autor foi, ou o homem que poderia ter sido.


São imagens abertas a redescoberta do olhar, sensíveis ao anseio da instrução do olhar, ora nos mostrando a habitação desenraizada, preparação ao eterno, ora aérea, nave e pássaro que migram com seus moradores. Ora nos levando ao reencontro da fantasia, contaminando o espaço pela imaginação presente nos lençóis espalhados pela casa, antecipando o gozo, frestas que se abrem magnéticas para o infinito da memória, rostos que contemplam - nunca contemplados, simbolizando a própria anulação do eu em função do gosto da reminiscência.


A eletricidade das cores é algo perpassa o todo de finisterra, conduzindo o espectador a um jogo quase onírico de transportação para o sonho. Imagens que se entrecortam como um grande mosaico da solidão contemporânea. Isso se reforça com a imagem tocante de homem lendo, evidenciado por Walter benjamim como o mais perfeito retrato deste desolamento.


Ele exerce uma fenomelogia da observação. A memória sempre fora, transfigurada em símbolo, Uma metáfora de lugar. Não chega a praticar suas vivências e se expor às confissões. Não é seu lugar, mas qualquer lugar.


Neste sentido, existe uma ontologia sonhadora, com inclinação filosófica e metafísica, de enxergar cada vez mais no que a memória se transforma, contorná-la como uma ilha, problematizá-la, e não perdoá-la pelo hábito de conhecê-la como faria seu residente. Atento e provisório à maneira de um hóspede, abstrai o que é doméstico, jogando com a dialética para não mergulhar na tentação de ficar.


Mariano anseia aproximar-se afetivamente do mundo, deseja fortemente emprestar o rosto para dividir as lagrimas como um poeta e sua lira. Pode estar em um quarto de hotel, num bar, no fim do mundo com os mesmos olhos famintos de poesia. É um ser que padece do olhar.


Talvez o próprio Novalis se sensibilizasse ao ver que seus versos iluminaram uma época tão remota quanto humanamente decadente. Creio que os românticos são as melhores companhias nesta finisterra, de mariano. Cujo tema foi tão caro ao próprio Novalis, onde se ver uma apreciação mítica da realidade, aonde o destino humano, seu vir-a-ser expresso no irresistível retorno à condição anterior à queda - só adquire sentido a partir da visualização do passado, e da restituição deste através da rememoração mítica e poética. Novalis, através da poesia eternizou a presença de sua amada morta prematuramente, redescobriu a vida através de seu olhar interior, como em todo mergulho profundo é necessário da restituição do ar na superfície. Como nos diz:


“O Passado em rica florescência, no qual
Antigos troncos geraram o fruto glorioso;
E as crianças em busca do mundo futuro,
Buscaram a vitória sobre a dor e a morte”.

(hino VI)


É licito pensar, através de finisterra, que a arte vem a cada dia substituindo e deslocando a reflexão filosófica - metafísica para a poesia e seus objetos, que igualmente a historia sendo

substituída pelo romance, pelas narrativas e percepções demasiadamente humanas.


Finisterra oferece um interessante exemplo de como regredir a borboleta em libélula e ainda voar.