segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Uma retrospectiva andreísta para 2008:


Três filmes - Paranoid park (Gus Van Sant), O beijo roubado (Hong Kar Way), Vicky Cristina Barcelona (Wood Alen)

Três espetáculos de teatro - Por Elise (Grupo Espanca de BH), Angu de sangue (Coletivo angu de teatro, PE), Shi-Zen, 7 Cuias (Grupo Lume de teatro, SP)

Três shows - Edu Lobo (Hangar), Ivan Lins (Hangar), Toninho Horta (largo do Carmo).

Três exposições - Finisterra (Mariano klautau filho, MEHP), Redesenho (Simões, Fundação Antar Hohit), A luz do sol (PP Condurú, Casa das Onze Janelas)

Três livros (estrangeiros) - Putas assassinas (Roberto Bolaño), O Passado (Alan Pauls), O Homem Lento (J.M. Coetzee)

Três livros (nacionais) - Canalha (Fabrício Carpinejar), Cordilheira (Daniel Galera), Memórias Inventadas: A terceira Infância (Manuel de Barros).


segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

1. O silencio ( primeiro capitulo do romance...)



Todas as noites, em meio à neblina, Avalor e Flora saiam a perscrutar a madrugada. Como charretes perdidas no tempo, deliciavam-se com o clamor furtivo da cidade e seus mistérios.Após os cuidados de praxe e a exígua tarefa domestica ambos montavam suas bicicletas e abraçavam o mundo. Passara-se um ano desde a primeira vez em que decidiriam pela entrega de pizzas na noite madrilena. Em meio às peripécias da cidade, embriagados de uma vitalidade inesperada o casal se via por entre vitrines sem vida, pela cercania dos bairros afastados onde as casas, já sem vida, adquiriam a forma de semblantes adormecidos.

Perto do chafariz Bizâncio, o cheiro das açucenas brancas se misturava ao perfume doce e sereno da esposa. Então Avalor sentava-se no chão, fechava fundos os olhos e pensava longamente em mais uma noite vencida e degustada, sobre o manto do dia, que tímido, mostrava-se deliciosamente. Há muito, adquirira hábitos noturnos, desde os remotos anos de chumbo descobrira-se inclinado a contemplação noturna. Sem saber ao certo como lidar com as constantes crises de insônia acabou por fim a entregar-se deliberadamente ao convívio amical das noites brancas. Desde que chegara a capital espanhola, há trinta anos atrás, nosso herói tomara para si a tarefa de sempre ir à busca da vida. E em dias de entusiasmo chegara mesmo a afirmar ser a vida um animal perigoso, cujo tratamento passaria pelo domínio sereno e claro, como quem adestrasse um cavalo embriagado.

“O silencio da noite é o álibi dos sonhos” sussurrou Avalor, enquanto retornava pelo florido bairro de Aschival. Se fosse poeta iniciaria um verso desta maneira, entoando a alvorada em toda em sua leveza e mistério.

Enquanto olhava a neblina cair lenta e silenciosamente, como num sonho, nosso poeta penetrou longamente em um devaneio a muito esperado e profundamente desejado; contaminado pelas lembranças disformes da infância, ele se rendeu ao otimismo momentâneo e até arriscou acreditar estar perfeitamente à vontade nesta cidade. Mas momentos depois ele sentiu um pressentimento ao passar pelo mercado municipal que não sentia fazia muito tempo e mergulhou no jardim abarrotado da casa repleto de rosas brancas e jasmins.


domingo, 11 de janeiro de 2009

Borrasca


O inverno leveda nossa casa:
temos muito calor
lá fora faz frio.

A casa não luta
apenas nos conduz a fechar-se entre cortinas.

Simplificando o cosmos
na reserva da intimidade.

A casa existe sobre o tempo,
vencendo estações na eletricidade do abraço.
Um corpo que se ergue
na ânsia de ser percebido,
enquanto se espraia no maravilhar-se pela música.

Chove dentro de sua alta fantasia,
sob seu ventre,

no interior de seu semblante adormecido.

A paz sendo um corpo,
a cisterna sendo a própria chaminé.

No silencio do quarto
a própria voz se aperfeiçoa.
Na concha entreaberta do inverno
sua respiração já é sinfonia.

É doce naufragar na casa.
Sonhar telhas encontrando asas na neve
e poder sorrir sem exibir os dentes.