
“Por polidez perdi minha vida...”.
Rimbaud
É sempre difícil aceitar algo. Qualquer coisa que seja, por menor, por mais misteriosa, por mais aceitável que possa aparecer.
A satisfação é o aperto que se consome a solidão que se ameaça.
É certo que o coração e a alma humana têm razões suficientes e inalcançáveis, cujo entendimento aos deuses pertence.
Não procuro aceitar, render as armas roubadas, reconhecer o cheiro da despedida.
O mar se encarrega por apagar o que foi escrito na areia. Mesmo as pegadas.
A não aceitação da vida requer o don de estar alem do homem. É acreditar que o ser humano pode ser mais.
Reconheço imediatamente a voz das pessoas que amo, o ritmo imediato do suspiro é como o suave ritmo das cartas sendo embaralhadas A festa do olhar ao reconhecer o sentir da visão Olhar também é amar, beijar...
Reconhecer é não aceitar, é acreditar que a vida pode ser melhor.
De manhã quando o azul me descortina para o dia, sinto a suave doce música que se expande no universo ao meu redor.
As folhas que caem no quintal e o vento que não as deixa caírem, totalmente.
Reconheço o esplendor desta manhã, sua música silenciosa; Acontece que sempre arranjo um jeito de renegar a despedida, de não aceitar sua partida.
O Filho nunca quer separar-se dos pais...
Às vezes grito, esperneio, corro e seguro as pernas do dia, tropeço na rua e fecho os olhos
A dor rapidamente se expande, desconhece escândalos, recusa principiantes.
Contudo, se ela aparece eu não a abandono, eu não a aceito. Quero educá-la
Conversar, convidar pra jantar fora, se não ela rói as outras lembranças, aperta os nós dos pés fincados ao chão.
Mas, existem dores que se recusam, agressivas, que nos mostram o quanto a poesia pode ser fútil e desnecessária. Há dores que nos mostra o quanto somos inexplicavelmente insignificantes.
Foram poucos os momentos em minha vida que renunciei a tudo que havia vivido. Foram poucos os momentos em minha vida em que me divorciei da fala. Talvez quando meu cachorro, Alff, morreu sem despedida. Quando o aniversario passou batido
É como estar debaixo d`água sendo levado pela correnteza. Quis entregar as cartas, finalizar o jejum, a dor se encarrega de falar, ela fala por si.
Como na traição.
Uma dor que renuncia a fala. Onde tudo que foi levado a serio torná-se amargo, onde as palavras que foram sacramentadas convertem-se em palavrões, onde a única coisa que realmente se quer é nunca ter vivido o que se viveu.
Tenta-se em vão cicatrizar as feridas. A dor desconhece elixir, essências...
Traição não é assunto de Deus. É assunto privado da carne.
Não existe permissão para os ouvidos, para a alma se enlevar novamente com as músicas, poemas, cartas...
A traição deveria ser alfabetizada, permitir rascunhos, ordenar despedidas. No entanto, é violenta e não admite ser menos importante que o amor.
Ser traído, porem, é não perder, ainda, a esperança do amor. É saber-se fiel a si.
Ser fiel a si é desejar ler de manhã e viver o que se lê à tarde. E aceitar que existimos pela poesia. É saber que a existência pode ser mar no ocaso, que o ser humano pode ser alem, muito alem, de ser humano.
Não aceito, estou certo que não aceito: traição, deslealdade... Não aceito a própria vida. Por isso escrevo, trabalho, pinto, faço musica, choro, fico triste. Não aceitar pode ser a única forma de recuperar a vida. Criar é não aceitar.
Quando desato os nós que me prendem no chão, quando esqueço o caminho, é quando de repente estou casado novamente com a fala, com a vida.
Hoje, vendo o dia nascer, percebendo sua clarividência, os raios iluminando o rio, ansiei eternizar este momento. A poesia novamente me salvou, os versos escorreram em minhas mãos, as facas do poema moldaram o dia. Eu e a manhã casados novamente.
As leis da vida são outras. Aproximo-me da verdade por meio do amor. Desato os nós que embrutecem os pés e posso voar, como nos labirintos sagrados do amor, como nos diz Paul Celan: “Eu sou o Maximo de mim quando sou você...”.