segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

1. O silencio ( primeiro capitulo do romance...)



Todas as noites, em meio à neblina, Avalor e Flora saiam a perscrutar a madrugada. Como charretes perdidas no tempo, deliciavam-se com o clamor furtivo da cidade e seus mistérios.Após os cuidados de praxe e a exígua tarefa domestica ambos montavam suas bicicletas e abraçavam o mundo. Passara-se um ano desde a primeira vez em que decidiriam pela entrega de pizzas na noite madrilena. Em meio às peripécias da cidade, embriagados de uma vitalidade inesperada o casal se via por entre vitrines sem vida, pela cercania dos bairros afastados onde as casas, já sem vida, adquiriam a forma de semblantes adormecidos.

Perto do chafariz Bizâncio, o cheiro das açucenas brancas se misturava ao perfume doce e sereno da esposa. Então Avalor sentava-se no chão, fechava fundos os olhos e pensava longamente em mais uma noite vencida e degustada, sobre o manto do dia, que tímido, mostrava-se deliciosamente. Há muito, adquirira hábitos noturnos, desde os remotos anos de chumbo descobrira-se inclinado a contemplação noturna. Sem saber ao certo como lidar com as constantes crises de insônia acabou por fim a entregar-se deliberadamente ao convívio amical das noites brancas. Desde que chegara a capital espanhola, há trinta anos atrás, nosso herói tomara para si a tarefa de sempre ir à busca da vida. E em dias de entusiasmo chegara mesmo a afirmar ser a vida um animal perigoso, cujo tratamento passaria pelo domínio sereno e claro, como quem adestrasse um cavalo embriagado.

“O silencio da noite é o álibi dos sonhos” sussurrou Avalor, enquanto retornava pelo florido bairro de Aschival. Se fosse poeta iniciaria um verso desta maneira, entoando a alvorada em toda em sua leveza e mistério.

Enquanto olhava a neblina cair lenta e silenciosamente, como num sonho, nosso poeta penetrou longamente em um devaneio a muito esperado e profundamente desejado; contaminado pelas lembranças disformes da infância, ele se rendeu ao otimismo momentâneo e até arriscou acreditar estar perfeitamente à vontade nesta cidade. Mas momentos depois ele sentiu um pressentimento ao passar pelo mercado municipal que não sentia fazia muito tempo e mergulhou no jardim abarrotado da casa repleto de rosas brancas e jasmins.


3 comentários:

Mayara La-Rocque. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mayara La-Rocque. disse...

no mínimo, estou ansiosa para o segundo capítulo. rsrs

Unknown disse...

❤️