
“e o amor é uma arvore docemente alada
que pende no infinito de uma lagrima decaída
-um dragão aperfeiçoando-se no voou furtivo de uma garça.”
O mundo é grande, mas em nós ele é profundo como o mar...Rilke
No rio de minha cidade
não há nada alem
da correnteza.
Esse rio furtivo
Escuro
traz em suas entranhas
todo o álibi do mundo.
Sob suas pontes
os bois bailam
rugem e golpeiam
enquanto levam água
para os que têm sede.
As borboletas
encontram sua cor
ao repetir a luz do amanhecer.
Sorve-lo é afrouxar a marcha.
Mergulha-lo é tirar pedras do sapato.
Coisa leve é ser o rio
espalhar pétalas pelo aquário
sem temê-las
cair com elas.
No rio de minha cidade
não há nada alem
do sorriso de uma criança.
Permanece aqui, teu
não
Cravado a ferro e flor
diante do que a respiração não sana.
Precisar de mãos é pouco,
é pouco precisar de fogo e pão.
Correr é muito pouco diante da separação.
Será preciso mudar de país,
devolver as fronteiras à imaginação,
recolher o que ficou pelas bordas dos ossos.
Retornar a infância pra esquecê-la,
recorrer ao atalho pela ausência.
Expulsar os demônios pelo sótão e
ainda ter forças para arrumar as malas.
Já não me pertenço para amá-la.
Agradeço as traças que foram fieis
aos passos.
Ao ver asas no bafio
do que ficou velado.
Pois partir já não posso.
Não assim,
com a morte entre as vísceras.
Em imagens que buscam uma memória vigorosa, Mariano Klautau Filho elabora um imenso poema visual
“Quanto mais poético, mais verdadeiro.”
A memória sempre foi um tema caro para a arte, de santo agostinho a Proust. Dificilmente um artista não vai soluçar sua infância diante de sua antiga residência. Serviu de inspiração, por exemplo, ao famoso canto “versos para a noite” do herói romântico Novalis e peça chave no idealismo alemão.
Finisterra, do fotografo e professor Mariano Klautau filho é um convite ao deleite delicado das marcas humanas pelo cosmo da residência. Um convite aventureiro para ser a própria respiração, se juntar ao artista para assim conceber juntos a matéria do olhar cuja reverberação se amplia e também abraça a contemporaneidade. Seu dialogo com a tradição é igualmente profícuo e desvelador, onde tempo e memória são uma única coisa em constante devir.
Finisterra não cedeu ao apelo nostálgico das experiências anteriores das artes plásticas brasileiras. Não é um pretexto para rever o menino que o autor foi, ou o homem que poderia ter sido.
São imagens abertas a redescoberta do olhar, sensíveis ao anseio da instrução do olhar, ora nos mostrando a habitação desenraizada, preparação ao eterno, ora aérea, nave e pássaro que migram com seus moradores. Ora nos levando ao reencontro da fantasia, contaminando o espaço pela imaginação presente nos lençóis espalhados pela casa, antecipando o gozo, frestas que se abrem magnéticas para o infinito da memória, rostos que contemplam - nunca contemplados, simbolizando a própria anulação do eu em função do gosto da reminiscência.
A eletricidade das cores é algo perpassa o todo de finisterra, conduzindo o espectador a um jogo quase onírico de transportação para o sonho. Imagens que se entrecortam como um grande mosaico da solidão contemporânea. Isso se reforça com a imagem tocante de homem lendo, evidenciado por Walter benjamim como o mais perfeito retrato deste desolamento.
Ele exerce uma fenomelogia da observação. A memória sempre fora, transfigurada em símbolo, Uma metáfora de lugar. Não chega a praticar suas vivências e se expor às confissões. Não é seu lugar, mas qualquer lugar.
Neste sentido, existe uma ontologia sonhadora, com inclinação filosófica e metafísica, de enxergar cada vez mais no que a memória se transforma, contorná-la como uma ilha, problematizá-la, e não perdoá-la pelo hábito de conhecê-la como faria seu residente. Atento e provisório à maneira de um hóspede, abstrai o que é doméstico, jogando com a dialética para não mergulhar na tentação de ficar.
Mariano anseia aproximar-se afetivamente do mundo, deseja fortemente emprestar o rosto para dividir as lagrimas como um poeta e sua lira. Pode estar em um quarto de hotel, num bar, no fim do mundo com os mesmos olhos famintos de poesia. É um ser que padece do olhar.
Talvez o próprio Novalis se sensibilizasse ao ver que seus versos iluminaram uma época tão remota quanto humanamente decadente. Creio que os românticos são as melhores companhias nesta finisterra, de mariano. Cujo tema foi tão caro ao próprio Novalis, onde se ver uma apreciação mítica da realidade, aonde o destino humano, seu vir-a-ser expresso no irresistível retorno à condição anterior à queda - só adquire sentido a partir da visualização do passado, e da restituição deste através da rememoração mítica e poética. Novalis, através da poesia eternizou a presença de sua amada morta prematuramente, redescobriu a vida através de seu olhar interior, como em todo mergulho profundo é necessário da restituição do ar na superfície. Como nos diz:
“O Passado em rica florescência, no qual
Antigos troncos geraram o fruto glorioso;
E as crianças em busca do mundo futuro,
Buscaram a vitória sobre a dor e a morte”.
(hino VI)
É licito pensar, através de finisterra, que a arte vem a cada dia substituindo e deslocando a reflexão filosófica - metafísica para a poesia e seus objetos, que igualmente a historia sendo
substituída pelo romance, pelas narrativas e percepções demasiadamente humanas.
Finisterra oferece um interessante exemplo de como regredir a borboleta em libélula e ainda voar.
Minha amiga
Desenho seu corpo em meu sono.
Minha amiga
Na casa,
Um dia minha amiga não voltou.
Ficaram o ouro da gaiola,
Caro leitor, permita-me compartilhar, com imensa alegria, do cantar de um poeta dançarino, que também é música silenciosa, cujos versos iluminaram e iluminam a reflexão sobre o outro, sendo fonte incessante de mistério e deleite poético. Trata-se de um dos maiores poetas místicos que humanidade vislumbrou: Rumi, ou Mawlānā Jalāl-ad-Dīn Muhammad Rūmī.
Rumi nasceu onde hoje é o Afeganistão e morreu na Turquia, em 17 de dezembro de 1273. Acreditava que o exercício do amor era essencial para o amadurecimento e aperfeiçoamento dos seres humanos. Pregava a tolerância, a bondade, a paciência, a calma e a compaixão incondicionais.
Vem.
Conversemos através da alma.
Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.
Sem exibir os dentes,
sorri comigo, como um botão de rosa.
Entendamo-nos pelos pensamentos,
sem língua, sem lábios.
Sem abrir a boca,
contemo-nos todos os segredos do mundo,
como faria o intelecto divino.
Fujamos dos incrédulos
que só são capazes de entender
se escutam palavras e vêem rostos.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Como podes dizer à tua mão: "toca",
se todas as mãos são uma?
Vem, conversemos assim.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.
Meu amigo Victor - acho q nunca disse que passei (a) mar mais a vida quando conheci você. Temos cinco anos de odisséia e sempre foi uma vida a percorrer nossos nascimentos. Uma vida, graças a sua coragem de me buscar e nunca me deixar sozinho com meus problemas.
Quero hoje lembrar de sua generosidade. Quero hoje deitar minha memória nos ombros de Ulisses e encontrar o caminho da reminiscência.
É natural esquecermos o passado, ou quando não, ser displicente pela pressa dos compromissos, pela arrogância das ruas engarrafadas. Talvez pela pressa de trocar a roupa e ir ao trabalho.
O amigo que me defendia ao menor desentendimento. O amigo que me chama de poeta para me dar força. O amigo que nunca me deixou sem ver os melhores concertos do universo. Que me fez descobrir o verdadeiro sentido de jogar futebol. O amigo que me ligava todos os dias e pedia por mim
O amigo que organizou um curso de literatura pra mim. O amigo que eu chamava de Orfeu e recitava poesia em voz alta. Que me fazia refletir sobre a amizade. Que foi Neruda nas viagens. Que dividia comigo cada passo seu. Que me ensinou que livros podem ser guardados no coração. Que organiza festas de despedidas. O amigo que me apresentou José Ingenieros. O amigo que me presenteou com Montaigne. O amigo que me levava às suas aulas. Que ouvia os meus conselhos. Que fechava os olhos nos concertos. O amigo que nunca demorou em chorar na minha frente. Que me consolava ao perder amores. O amigo que era bonito na foto e fora da foto. Que não fazia reservas para fazer amizades. O amigo que me levava pra beira do rio e lia o texto mais bonito. Que é alegre como uma casa de praia. O amigo que se preocupava com aminha aparência. Que escrevia epopéias numa dedicatória. O amigo que passou em primeiro lugar na prova de intercambio do instituto Goethe. Que é bolsista do mestrado da PUC. O amigo que é mais poesia que a poesia que escrevo. O amigo que mora na rua da minha memória esquina da soledad. O amigo que aumenta suas historias com sua vontade de amar...
O amigo que flana nas ruas do mundo.
Que não importa onde esteja estará sempre ao meu lado.
Eu nunca esquecerei sua amizade para lembrá-lo que nasci – alem do ventre materno – de sua alegria de viver
1. Procurar orquídeas no mato.
2. Rachar lenha.
3. Ascender a lareira e ficar olhando o fogo.
4. 1 garrafa de vinho aos sábados.
5. Olhar as mulheres.
6. Acariciar o próprio corpo.
7. Fumar charutos e não cigarros
8. Comer fruta pão.
9. Passar a língua nos lábios
10. Um dia de silencio
11. Usar calça de veludo
12. Cachecol.
13. Ler poesia para passarinhos.
14. Abraçar árvores
15. Escrever os sonhos
16. Ouvir Bach
17. Andar a cavalo
18. Deitar na relva
19. Espalhar frutas pela casa.
20. O melhor sabonete no banheiro.
21. Observar os cabelos das pessoas.
22. Dançar na frente do espelho
23. Caminhar de uma a outra cidade
24. Andar descalço
25. Usar chapéu aos domingos
26. cozinhar
27. Poesia em voz alta.
28. Apaixonar-se por uma dançarina
29. Chorar no banco da praça.
30. Comprar flores do menininho
31. Cuspir nos cadilaques
32. Poesia na areia
33. Jogar flores no rio e fazer um pedido.
34. Dançar tango
35. Ver o dia nascer
36. Apaixonar-se pelo crepúsculo
37. Rasgar alguns livros.
38. Comer sempre a luz de velas.
39. Ser amigo.